A Ilegalidade da Coerção Estatal na Cobrança de Tributos

Recente estudo realizado pela FIESP, denominado “A Carga Tributária no Brasil – Repercussões na Indústria de Transformação“, mostra que a carga tributária brasileira atingiu 33,5% do PIB em 2014, em constante e progressivo aumento desde 1980.

Tal estudo demonstrou também que as famílias com renda de até 2 salários mínimos gastam um percentual bem maior de sua renda (46%) com tributos embutidos no consumo, se comparado às famílias com renda superior a 25 salários mínimos (18%). Isto porque o sistema tributário brasileiro está alicerçado em bens e serviços, e não na renda. Portanto, trata-se de típico sistema regressivo, ou seja, quem tem menor renda paga relativamente mais tributos, numa flagrante injustiça fiscal.

No campo empresarial, verificamos que quanto maior a carga tributaria menor é a capacidade de investimento do setor privado. Os altos encargos brasileiros desestimulam a geração de empregos, a constituição de novas empresas, novos investimentos e a oferta de produtos e serviços a preços mais acessíveis a população.

Por outro lado, a eficiência na aplicação dos recursos não está ocorrendo no mesmo ritmo que o aumento da carga tributária. O investimento estatal em serviços básicos de saúde, educação, saneamento e em infra-estrutura ainda deixa muito a desejar (ou melhor, piora na mesma proporção que os tributos aumentam). Soma-se a isto aos constantes casos de corrupção e desvio de dinheiro público provocado, principalmente, pelos nossos ilustres representantes do Congresso Nacional.

Já não bastasse todo este tenebroso cenário no qual o contribuinte brasileiro está inserido, temos observado no dia-a-dia um crescente número de ilegalidades praticadas pelo Poder Público com o objetivo de cobrar tributos.

No Código Tributário Nacional foi adotado como um dos mais importantes princípios, o da legalidade. Ou seja, na cobrança de tributos, à Fazenda Pública não resta outro meio de efetivá-la além daqueles legalmente existentes, não lhe conferindo qualquer outra forma de agir para o recebimento de seus créditos tributários.

E, basicamente, o Fisco pode se valer dos seguintes instrumentos para cobrar seus crédito tributários: Autuações decorrente de Atos de Fiscalização; Inscrição dos Débitos em Dívida Ativa, CADIN e SERASA (este último com severas restrições a respeito); Execuções Fiscais e Ações de Cobrança de Créditos Tributários; e, finalmente, não concessão de Certidões Negativas de Débitos (CND).

Entretanto, é recorrente, no âmbito Federal, Estadual e Municipal, a utilização de “vias indiretas” para a cobrança de tributos, em total desrespeito ao Princípio da Legalidade.

Dentre tais “vias indiretas”, podemos citar:

1) não fornecimento de Inscrição Estadual ou Municipal para empresas onde algum sócio possui débito fiscal de qualquer natureza;

2) interdição de estabelecimento em virtude de dívida tributária;

3) apreensão de mercadorias;

4) proibição do exercício de atividade profissional;

5) condicionar a inscrição no Cadastro de Contribuintes (federal, estadual ou municipal) ao adimplemento de débitos fiscais ou à entrega de obrigação acessória (DAPI, por exemplo);

6) não fornecimento de AIDF (Autorização para Impressão de Documentos Fiscais);

7) condicionar à regularização de débitos fiscais, o deferimento em cadastro de produtor rural;

8) condicionar a concessão de “habite-se” ao pagamente de débitos pendentes com o município, em especial o ISS;

Etc, etc, etc…

Enfim, diariamente milhares de atos abusivos e autoritários são praticados pelo Poder Público visando exclusivamente a arrecadação de tributos, todos estes atos embasados em instrumentos legislativos notoriamente inconstitucionais (leis municipais, decretos estaduais, instruções normativas, etc).

A recusa integral ou parcial na expedição de atos administrativos pelo simples fato de existir débito ou ação fiscal contra o contribuinte configura exercício arbitrário, uma vez que a Fazenda Pública possui meios adequados e legítimos para solver seus créditos, sem a necessidade de, por via oblíqua, constranger o administrado ao pagamento de tributo devido.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou posicionamento no sentido de vedar medidas restritivas à atividade do contribuinte, especialmente providências coativas que dificultam ou impeçam o desempenho da atividade profissional/empresarial, como forma de coagir o contribuinte a efetivar o pagamento de débito fiscal.

Recentemente, a Lei Complementar n° 147/2014, trouxe uma série de inovações ao Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, dentre elas, a instituição da possibilidade de baixa da pessoa jurídica, a qualquer tempo, com a dispensa da apresentação de certidões de regularidade fiscal. Antes da LC, era exigido a quitação de todos os tributos da empresa para o contribuinte obter a certidão de baixa, ou seja, o Poder Público, de forma arbitrária, se utilizava de uma “via indireta” para cobrar seus créditos, em total afronta ao Princípio da Legalidade. Após várias derrotas judiciais, a Administração Pública resolveu não insistir com mais esta arbitrariedade e promulgou a Lei Complementar.

Portanto, serve o alerta: todos os contribuintes, principalmente os empresários, devem ficar atentos a este tipo de conduta do Fisco e, caso estejam diante de uma situação de arbitrariedade, ou seja, diante de uma situação onde o Poder Público condiciona a prática de um ato ao pagamento de débitos tributários, consulte um advogado especializado, com experiência tributária e que saiba manejar o Mandado de Segurança, instrumento ideal pra este tipo de demanda. Na grande maioria dos casos, liminares são proferidas e o ato arbitrário cessa seus efeitos prontamente.

Flávio Henrique Costa Pereira
Sócio Fundador da Barcelos Pereira Sociedade de Advogados
Especialista em Direito Processual pelo IEC da PUC/MG
Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/MG